Para muitas pessoas, a quarentena causada pela pandemia da COVID-19 foi o primeiro contato com modalidades de ensino a distância. Em alguns casos, as aulas presenciais da escola ou faculdade foram mudadas para esse formato; em outros, profissionais que estão trabalhando de casa aproveitam o tempo extra para fazer um curso online. De qualquer maneira, estudar de casa pode não ser tão simples quanto parece. E a seguir vamos dar algumas dicas para ajudar a aproveitar melhor os estudos. Confira!
A parte ruim e a parte boa
“Estudar é, realmente, um trabalho difícil. Exige de quem o faz uma postura crítica, sistemática. Exige uma disciplina intelectual que não se ganha a não ser praticando-a”. Quem diz isso é o pedagogo Paulo Freire em seu texto “Considerações em torno do ato de estudar“.
Embora ele falasse sobre o estudo por meio de livros, de acordo com o pedagogo Brunno Felype Simões Costa, muito do texto se aplica a quem vai fazer um curso online ou assistir em casa às aulas da faculdade ou da escola. “Estudar sempre tem uma questão muito pessoal envolvida”, comenta.
O estudo online, no entanto, pode trazer desafios adicionais. Na visão da professora de francês Mariana Casemiro Barioni, nas aulas pela internet ela percebe “uma ansiedade de entender se está fazendo certo ou não, se estão pronunciando corretamente, ouvindo corretamente”.
Tendo feito uma graduação em pedagogia na modalidade EAD, ela pode sentir algumas dessas dificuldades que hoje percebe em seus alunos. “Eu vi que não tenho disciplina quanto gostaria”, comenta. E diz também que se lembra de ter achado o processo muito solitário. “Tem os fóruns, os momentos virtuais com os tutores, mas mesmo assim é solitário”, lembra.
Laura Resende, aluna de graduação em Educomunicação da ECA/USP, conta que a sua turma também sentiu essa dificuldade quando as aulas da universidade mudaram para o formato online. “Acho que a galera fica com vergonha, e a aula fica mais maçante. Se é seminário, por exemplo, não tem muita discussão depois. E meu curso é de humanas, então as discussões são essenciais”.
Ficando à vontade
Apesar das dificuldades, Laura e sua turma estão tendo uma experiência particularmente interessante e singular: seu curso tem três disciplinas obrigatórias sobre EAD, e ela está atualmente cursando a primeira… em EAD. “Os seminários estão rolando online já”, diz. “No computador, às vezes eu acho até mais fácil de acompanhar o professor. Porque as pessoas não fazem gracinha e não tem conversas paralelas, então ele consegue ficar mais focado”, complementa.
Mariana também percebe que seus alunos, depois do “susto” inicial com a experiência de estudar em casa, acabam superando a ansiedade e ficando mais à vontade. “Depois que esse momento inicial é superado, a confiança vai aumentando”, diz. Com isso, os estudantes se tornam capazes de aproveitar alguns dos recursos que só modalidades online de ensino são capazes de oferecer, como o compartilhamento instantâneo de links e vídeos para usar durante as aulas.
Ela reforça que é necessário ter em mente que uma modalidade de aulas não substitui a outra. Isso, no entanto, não significa que o conteúdo que está sendo ministrado via EAD nesse momento será perdido. “Além do trabalho ter continuado, outros tipos de interação e outras capacidades foram trabalhadas”, defende Mariana.
Com base em suas experiências, Brunno, Mariana e Laura oferecem algumas sugestões que podem ajudar quem está tendo seu primeiro contato com ensino a distância neste momento. Seja para quem tem aulas online todo dia num determinado horário, seja para quem está aproveitando a quarentena para fazer um curso online, ou até para quem quer ter mais disciplina para estudar os livros e temas do seu interesse, essas dicas podem ser muito valiosas para estudar em casa. Confira:
1 – Entenda o que funciona para você
As próximas dicas não têm uma ordem fixa, mas essa aqui precisa ser a primeira. É importante que você preste atenção em si mesmo e em como você se sente enquanto estuda em casa para entender o que funciona para você. Porque a disciplina de estudar em casa é algo pessoal, e cabe a cada um descobrir, além dessas orientações gerais, qual é a maneira mais adequada para ela criar sua disciplina de estudos.
“A pessoa, quando vai estudar, precisa criar os rituais próprios dela. Porque para cada pessoa existe um jeito”, comenta Brunno. Mariana concorda que estudar em casa exige mais autoconhecimento “para entender o que funciona melhor para você”. E ressalta que em alguns casos, o que funciona para uma pessoa é justamente o oposto do que funciona para a outra.
2 – Crie um espaço
É importante que você tenha um espaço adequado no qual possa estudar. A definição do que é um espaço adequado varia entre cada pessoa, mas para Brunno, o ideal é um “ambiente o mais clean possível”. “Eu, por exemplo, quando fui fazer meu TCC tirei os cartazes da parede do meu quarto”, lembra.
Isso não significa que você precise seguir essa recomendação, mas o pedagogo enfatiza que “não dá para você estar num lugar de estímulo excessivo, com muito barulho (…) ou muita informação visual”.
Para Laura, que trabalha de casa durante o dia e estuda em casa durante a noite, o essencial é não ficar no mesmo lugar. “Eu percebi que não estava conseguindo render nada, porque eu já trabalho na sala o dia todo, então eu passei a ver as aulas na cozinha”, conta. Ela diz que também tentou assistir aulas do seu quarto, mas não deu certo: “quase dormi”.
3 – Faça o seu momento de estudar em casa
Assim como o espaço para os estudos deve ser adequado, o tempo também precisa ser. “Não adianta uma pessoa noturna se forçar a fazer um curso às 7h da manhã. Ela vai se iludir e o aprendizado não vai ser o mesmo, é gastar dinheiro à toa”, considera Mariana.
Nos casos em que as aulas têm um horário fixo e não é possível escolher, mesmo assim é necessário reservar um espaço na agenda. “O ideal é você tentar esquecer das outras questões naquele momento”, sugere. Ela ressalta que isso pode ser particularmente difícil para quem tem filhos, mas que nesse caso, se possível, é melhor fazer as aulas em um ambiente separado das crianças.
Brunno também recomenda criar um cronograma de estudos, sempre com algum foco. “Por exemplo, determinar que eu vou estudar todo dia das 10h às 11h e depois fazer um turno da tarde”, recomenda. Outra coisa que pode ajudar é aproveitar o horário de estudos que você já tinha: “eu por exemplo, quando precisava estudar, adotei os próprios horários da universidade, então eu estudava das oito da manhã até meio-dia, sempre com pausas”.
4 – Afaste as outras telas
Se você vai assistir a uma aula online, vai precisar de um computador ou celular. E o ideal é que ele seja a única tela à qual você vai ter acesso naquele momento. “O ideal é não estar perto da televisão, e o celular você deixar em modo avião ou desligado, se você tem essa possibilidade”, recomenda.
Nesse ponto, Mariana também concorda que o importante é reduzir tanto quanto possível a presença de outras telas, porque elas podem acabar distraindo muito. Brunno explica que é normal que a atenção nos estudos oscile, e o essencial é impedir que ela se quebre totalmente quando estiver mais baixa. “Vai rolar uma hora que você vai dar uma viajada, só que nessa hora é que tem que tomar cuidado, porque hoje a gente tem muita opção”.
5 – Anote!
Para Brunno, as anotações também são uma parte essencial dos estudos. “Acho fundamentais serem feitas”, opina. Mesmo que o conteúdo da aula vá ficar disponível para consulta depois, anotar os pontos de mais interesse e as dúvidas que vão surgindo é uma maneira de ir se apropriando daqueles temas conforme você vai tendo contato com eles.
As anotações são também uma maneira de resumir e colocar nas próprias palavras os temas estudados. Isso facilita muito se você precisar voltar a alguma parte dos estudos depois. Afinal, é mais fácil encontrar o que você está procurando em algumas páginas de suas próprias anotações do que em duas horas de vídeo.
6 – Faça uma lista de tarefas
Mariana recomenda começar todo novo dia de estudos com uma lista de tarefas a cumprir. “Anoto no início do dia tudo que preciso cumprir. E eu faço pelo menos um pouco, evitando ao máximo procrastinar”, comenta. Essa listagem ajuda a estabelecer um ritmo e manter o foco nos estudos.
Para alguns alunos, começar a estudar sem um fator externo (como a necessidade de sair de casa ou a presença do professor) é o maior desafio, e criar uma lista de tarefas ajuda nessa parte: é mais fácil começar quando há um trabalho definido a se concluir. Brunno, que defende a importância de que cada um crie seus próprios rituais para favorecer o aprendizado, concorda que esse tipo de listagem é importante.
7 – Cuidado com as metas
Ao mesmo, tempo, Mariana destaca que é necessário tomar cuidado ao estabelecer metas de estudo. “Se elas forem muito ambiciosas, isso pode piorar [o desempenho]”. “O período de quarentena que a gente está vivendo tem aumentado muito a ansiedade das pessoas, e se a gente se cobrar muito, é meio utopia”, comenta. “Claro, as pessoas têm mais tempo livre agora, mas não estamos de férias”, reforça. Ela diz notar esse aumento de ansiedade em seus, amigos, alunos e até em si mesma.
Laura também nota na sua turma essa alteração. “O pessoal tem reclamado muito de saúde mental mesmo, porque trabalha o dia inteiro e continua na frente do computador depois, para estudar”, narra. Nesse contexto, é importante gerenciar as próprias expectativas para evitar que essa ansiedade se torne ainda maior.
8 – De olho na postura
Ao passar muito tempo em frente ao computador, é normal que a nossa postura vá se relaxando. Isso, no entanto, pode acabar atrapalhando o seu rendimento. “Para mim, eu sinto que quando você consegue alinhar a coluna e a respiração para estudar, você consegue focar melhor”, diz Brunno.
Mariana também percebe que sessões longas de estudo em frente ao computador podem impactar negativamente o corpo dos estudantes — e consequentemente seu desempenho. Em si mesma, ela diz perceber uma dor nos dedos por digitar muito, além de tensões nas costas. A solução, para ela, é se mexer bastante. “Não fico mais de uma hora sentada”, comenta, dizendo que recomenda essa medida para todos que puderem tomá-la.
Durante as aulas, Laura também faz isso, mesmo no meio de explicações. “Dou uma andada, estico as pernas enquanto o professor está falando, porque é muito cansativo mesmo”, considera.
9 – Não ignore a parte técnica
Para assistir a aulas online, você precisa de uma conexão relativamente robusta com a internet. Isso é algo em que vale a pena pensar antes da aula começar — especialmente no caso de aulas que não ficam disponíveis para assistir depois. Nesses casos, uma falha de conexão pode levar o estudante a perder conteúdo.
Por isso, é importante criar as melhores condições possíveis de conectividade. Se puder, ligue seu computador ao roteador com um cabo de rede, para evitar as oscilações da internet sem fio. Se estiver no celular, procure um ponto em que o sinal do Wi-Fi não sofra muita interferência, e evite assistir aulas por redes móveis (3G/4G) para não acabar com seu pacote de dados.
Mariana, que já trabalha com aulas online há bastante tempo, diz que é comum que seus alunos negligenciem essa questão. E a infraestrutura de rede brasileira não ajuda muito. “Às vezes eu tenho problema de conexão, e agora, com o super fluxo que está tendo, às vezes a internet cai e a companhia fala que era esperado, por causa da alta demanda”, conta.
10 – Considere um filtro de luz azul
Para quem estuda online à noite, a luz pode ser uma questão essencial. Isso porque as telas de celular e computador emitem luz azul. A luz azul é particularmente relevante: nosso ciclo do sono está ligado a ela: quando recebemos luz azul (do sol), ficamos acordados, e quando a luz azul se vai, nosso organismo vai se aconchegando para dormir. Ter uma tela de notebook ou smartphone jorrando luz azul na sua cara às dez e meia da noite, portanto, pode ser muito prejudicial para o seu sono.
Felizmente, há diversas maneiras de impedir que isso aconteça. Hoje em dia, tanto os iPhones quanto os celulares com Android têm filtros de luz azul que podem ser configurados para ativar em determinados horários (quando o sol se põe, por exemplo). Nos notebooks, também é possível fazer isso por meio das configurações do Windows ou do macOS. Se você costuma sentir os olhos ardendo ou coçando quando assiste às aulas online, essa dica pode fazer toda a diferença.
11 – Pense no futuro
Laura lembra que é importante ter em mente o motivo dos seus estudos para se manter motivado. Quer você esteja concluindo o ensino superior, quer esteja aprendendo uma habilidade nova, lembrar sempre do motivo pelo qual você está estudando pode ajudar a manter a disciplina.
Então, especialmente para quem está com dificuldade em estudar em casa nesse momento, a dica dela é “não desistir, porque isso vai passar. E você atrasar sua formatura ou perder o semestre por causa disso não é viável, vai ter consequências”. Assim, quando a quarentena passar, ficará apenas a lembrança do semestre diferente — e os conteúdos estudados nesse período.
Fonte: https://www.estudarfora.org.br/